Relatos de um Palhaço: Dr. Letrinha Azogado III
Oioi gentee!!!
Ontem não teve "Relatos de um Palhaço" mas hoje tem sim senhor! O relato de hoje tras de volta o nosso Dr. Letrinha Azogado nos falando sobre sua experiência junto a Drª. Covinha em outro ponto de parada do Trem do Sorriso, lá no longínquo Hospital Universitário.
Fique agora mais um relato maravilhindo!!!
Hoje é dia de rock, bebê!
No dia 18 de julho de 2015, Dr. Letrinha e Drª. Covinha, ao invés de pegarem o Trem para o Hospital Geral do Estado (HGE) e para o Hospital Escola Dr. Hélvio Auto (HEHA), respectivamente, decidiram fazer uma viagem para o Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), onde visitaram as suas irmãs palhaças Drª. Balerina. Drª. Poste Happy Day, Drª. Bitela e Drª. Tric Tric Tremelique.
O roteiro de jornada entre as alas do referido hospital de plantão é, por exemplo, distinto do roteiro do HGE do HEHA, fato que nos pediu um “jogo de cintura” diferente. Começamos pelo setor Nefrologia e fomos muito bem recepcionados por Dona B. e Seu M. Cantamos durante quase uma hora, momento em que conseguimos envolver bastante Dona B. em nossa alegria. A paciente, em um gesto muito carinhoso, nos deu vários pirulitos e ainda nos prometeu mais guloseimas para os próximos sábados.
No contato específico do plantonear com os adultos, nesse caso, a maioria idosos, notei o quanto é complexo inserir a atmosfera do lúdico em pessoas com essa faixa etária de idade. Geralmente, as janelas da imaginação estão fechadas nas mentes dos adultos, em especial àqueles em situação de internamento. No entanto, como os pacientes deste plantão estão com regularidade no setor de Nefrologia, percebi que as palhaças doutoras do HUPAA já tinham driblado uma certa resistência deles a entrar no nosso mundo de sorrisos, mostrando que não há idades para o brincar. Em seguida, na saída do espaço dos adultos para o espaço infantil, tivemos alguns segundos para nos readaptar as necessidades desse outro público em instantes de reinvenção.
Ao chegarmos à Brinquedoteca, fui ao encontro de L., garoto de 8 anos de Arapiraca. Ele começou a falar que gostava muito de música e logo falou que escutava (apenas!) de ACDC. Como eu tenho os meus dois pezinhos no rock, fiquei rapidamente curioso para bater um papo com aquela criança. Ele pediu para a sua mãe pegar o seu tablet, mostrando-me outros artistas que curtia. Foi muito engraçado conversar com uma criança que compartilhava das mesmas referências musicais (ainda que não conhecendo profundamente, é claro) de nós (palhaços). Apresentei Oasis, através da canção “Live forever” para L., momento, inclusive, que aproximou também a mãe de A., que também disse que gostava desse estilo musical.
Drª. Poste Happy Day, Drª. Covinha e eu jogamos uma partida de Uno com L. e, depois, passamos o resto da tarde em um longo dedo de prosa com ele. Ao brincar com as famosas bolhas de sabão, L. acabou engolindo uma. O desconforto desse lanche inesperado foi tão grande que suspeitou-se até que um “pé” de bolha de sabão tinha nascido na barriga do garoto, mas o fato foi desconfirmado quando ele concluiu a digestão. Ao conversarmos sobre o futuro, L. nos disse que queria ser bombeiro, porém não queria salvar gato de árvore. Entretanto, quando perguntamos se ele salvaria uma gatinha, houve uma titubeação e risos tímidos...
Algo que nos impressionou bastante foi a consciência de L. sobre as limitações de sua doença, os lugares que poderia ou não frequentar, os esportes que poderia ou não fazer e as suas restrições alimentares. Apesar de muito novo, nosso paciente demonstrou uma capacidade incrível de tratar com bom humor as condições de saúde que modelam o seu estilo de vida, fato que me fez notar que é possível (eu espero) encontrar um lado bom nessa situação que ele está enfrentando: o olhar amadurecido para o que a vida pode e não pode nos ofertar. Esse amadurecimento não assepsiou o lado criança de L., que continuava ali, envolvido em nossas palhaçadas. No livro “O mundo amarelo”, de Albert Espinosa, o autor espanhol relata os seus mais de 10 anos de morada em um hospital ao enfrentar o câncer, apresentando experiências e visões de mundo que somente foram construídas por conta dos caminhos que foram trilhados por sua doença. A meu ver, por mais complexo que seja ver esse feixe de luz que traz algo de positivo em uma situação tão obscura, ele está lá, ainda que possa não aparecer de imediato, mas está lá...
O plantão deste sábado foi tranquilo, calmo, praticamente uma tarde de longa conversa com aquele “quê” de especial. Isso me fez reorganizar a minha própria ideia do que é um “bom plantão”. Normalmente, eu não passo uma tarde inteira com uma única criança. Mas esse dia foi diferente, mais que satisfatório, pois o sentimento que o plantão foi além de nossas expectativas não veio de uma tarde em que pulamos e corremos o tempo todo com várias crianças, e sim de minutos, quiçá segundos, que nos conectamos com um paciente, com a sua história de vida, com o seu acompanhante, com o seu olhar. Por fim, prometi a L. o meu livro “Almanaque do rock”, para que ele possa encontrar outras referências musicais e, futuramente, possa dizer em variados acordes: “Hoje é dia de rock, bebê!”.
ps.: deixo o agradecimento às palhaças doutoras que tão bem nos receberam nesse outro ponto de parada do Trem Sorriso de Plantão.
Dr. Letrinha Azogado
Sorriso de Plantão: Um Sentimento Que Não Pode Parar